quarta-feira, 18 de abril de 2012

A tradição cultural de um movimento.

Passei a semana buscando inspiração e assunto para desvendar o paradoxo tempo/espaço (tema proposto na disciplina de Jornalismo Digital), tentando encontrar uma pauta que merecesse destaque e que desse conta do tema proposto. Após pensar muito percebi que o óbvio se encontrava em frente aos meus olhos, ou melhor, frente à um assunto que sempre busquei debater, mas poucas vezes tive a oportunidade de aprofundar e fazer refletir com minhas ideias e opiniões. Resolvido então o meu problema, tradicionalismo gaúcho será o tema abordado, mas de uma maneira um pouco diferente dos habituais textos que andam por aí.

Tradicionalismo pra mim é muito mais do que um movimento, tradicionalismo pra mim é um estado de espírito. Nem todos compreendem, outros tantos acham que compreendem- vestem bombacha, vão ao rodeio, falam gírias que partilham com outro grupo que, também se diz tradicionalista – mas porém, nem sempre o são. Partilhar certos signos que compreendem determinada cultura não faz, necessariamente, de você um tradicionalista, por exemplo. A distância entre aquele que partilha somente os signos e aquele que além dos signos, ou muito mais do que eles, pensa a sua condição no grupo e busca refletir e, ainda, busca entender as opiniões daqueles que não partilham da mesma cultura, é muito grande e as diferenças são enormes. Tradicionalistas de espírito são muito mais esses últimos do que os que vivem de rodeio em rodeio, ou que vivem com uma boina de lã o ano inteiro até debaixo de um sol de quarenta graus. Poxa! Será mesmo que para ser tradicionalista tem que andar pilchado o tempo inteiro? É claro que não, acho que está faltando senso de ridículo, e de temperatura ambiente à certas pessoas. Afinal, nem o homem do campo, e às vezes muito menos ele, anda o tempo inteiro de bombacha, porque hoje, ao contrário do tempo dos nossos avós, há tecidos mais baratos e mais frescos do que tecido de bombacha; ser tradicionalista não exige de você que não se atualize.

Já ouvi muita gente criticando os tradicionalistas, todas essas vezes busquei entender a opinião alheia refletindo muito o assunto. Todas essas vezes, pelo que lembro, compreendi os motivos a que levaram às críticas. Fiquei surpresa, pra não dizer espantada, horrorizada, uma única vez, quando uma moça disse ter vergonha de ser gaúcha (de ter nascido no Rio Grande do Sul), mas isto é assunto que não convém falar aqui. A maior parte das críticas aos tradicionalistas é por causa das mistificações feitas à revolução farroupilha e seus “heróis” – completamente compreensível -, afinal todos sabemos que foi uma revolução feita pelos grandes estancieiros em favor dos seus interesses. Mas é importantíssimo saber que o movimento tradicionalista busca muito mais manter a moral, os costumes, poesias, literatura, músicas, danças tradicionais do estado, muitas que foram resgatadas por folcloristas e historiadores, do que glorificar certos feitos dos farroupilhas. Acredito que os feitos da revolução tenham sido exaltados, principalmente, pela busca no tocante aos sentimentos da sociedade, para exaltar o nacionalismo do povo e, assim, chamar essa sociedade para que fizesse parte do cultivo às tradições gaúchas.

Há quem não saiba, mas antes do movimento tradicionalista nascer, andar de bombacha na rua era motivo para ser escorraçado, há relatos de um dos participantes do grupo dos oito de que foi proibido de entrar em uma barbearia em Porto Alegre porque estava vestindo bombachas, que era uma vestimenta comum dos homens do interior. E ironicamente hoje os que criticam o tradicionalismo falam que o movimento é difusor de preconceitos, sendo que ele surgiu justamente para sanar alguns preconceitos. Penso que a sociedade em geral é que é preconceituosa e não devemos limitar isso a um único grupo.

O que foi o grupo dos oito? Foi o marco fundador do tradicionalismo gaúcho. Em 1947 oito estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, fundaram o Departamento de Tradições gaúchas na escola, com o objetivo de difundir os costumes gaúchos, e a partir deles surgiu a centelha da chama crioula, a institucionalização das roupas do gaúcho como “pilchas”, o vestido de prenda foi “criado” baseado nos que as mulheres usavam no passado, no ano seguinte foi criado o primeiro CTG (Centro de Tradições Gaúchas) e assim o movimento continua crescendo, incorporando e ressignificando costumes antigos.

Minha crítica maior ao Movimento Tradicionalista Gaúcho hoje, crítica voltada exatamente à entidade MTG, responsável pela manutenção e fiscalização dos CTGs e do movimento como um todo, é pelo fato de que estão usando muito da romantização do gaúcho enquanto homem do campo e nada fazem para que a situação do campesino melhore. Quando digo melhorar a condição do campesino digo econômica e politicamente. No tradicionalismo o campeiro é o status referencia para todos os outros homens, mas o que o movimento muito pouco expõe, à salvo por algumas canções nativistas, é a situação atual vivida por esses homens e mulheres. Quem transita por esse meio rural sabe das dificuldades financeiras, principalmente, e da falta de organização desse grupo, que muito poucas vezes manifesta-se por condições melhores, seja por escolas na zona rural, por melhores preços aos seus produtos, contra as altas taxas e juros impostos por cooperativas e bancos. Acredito que isso se deva ao fato de que os moradores do campo, em sua maioria, não tiveram acesso a um bom ensino e outros se mantêm um tanto isolados dos acontecimentos nos grandes centros de discussões sobre agropecuária.

Sendo, um dos fins do movimento tradicionalista, como escrito por Barbosa Lessa em um artigo intitulado “Sentido e Valor”, prestar “assistência social e moral ao homem do campo” percebo que falta contribuição do MTG à tentativa dessas assistências, afinal sendo um movimento que busca a integração da sociedade poderia buscar unir o homem do campo para que este reivindique os seus direitos, expondo também as reais situações enfrentadas pelos gaúchos do campo aos gaúchos da cidade. E não buscar apenas a diminuição do êxodo rural através da romantização do campo. Refletindo essa situação percebi que os motivos que levaram homens em 1835 a fazer uma revolução contra seu governo foi a falta de incentivo e apoio às suas produções, no caso o charque principalmente, situação que perdura quase dois séculos; e os tradicionalistas do MTG ao invés de ajudarem na tentativa de auxílio verdadeiro aos produtores do campo, apenas se esquiva e mascara a situação dos "nossos campeiros".

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